sábado, 27 de novembro de 2010

"Lugar do Encontro"

  
A afirmação radical de Merleau-Ponty de que “nosso corpo não está no espaço: ele é o espaço”.E, para exemplificar, o filósofo descreve diversas experiências, entre elas, a experiências de Stratton sobre a inversão das imagens em um dado campo perceptivo, através do uso de óculos apropriados para inverter as imagens retinianas. Nessas experiências, apesar da inversão do campo, o sujeito continua identificando o mundo sem precisar se utilizar de conceitos porque vive nele, ele não lhe é estranho; ele aí coloca o seu centro de gravidade. No começo da experiência o campo visual parece distorcido e irreal, porque o sujeito não vive nele e, portanto, o desconhece. Aos poucos, porém, a ele vai se acostumando ao estabelecer relações orgânicas. Essa possessão do mundo pelo sujeito, através do seu corpo, é que dá origem ao espaço.  Merleau-Ponty : “que o fato de que nós ficamos em pé não pela mecânica do esqueleto ou mesmo pela regulação nervosa do tônus, mas porque estamos engajados num mundo, se este engajamento se desfaz, o corpo afunda e se transforma em objeto”. Outro exemplo característico pode ser pinçado na literatura infantil. As histórias de Lewis Carrol, Alice no país da maravilhas e Alice no país dos espelhos. Quando Alice caiu no buraco da árvore, o mundo lhe pareceu às avessas e ela pensou enlouquecer: “Oh, céus, a que latitude e longitude estarei?” Mas, com a continuidade do seu sonho, ela se habituou ao mecanismo de crescer e decrescer, subir e descer, engordar e emagrecer, andar de cabeça para baixo, tomar chá com o chapeleiro louco, conversar com uma lagarta e ver aparecer e desaparecer um gato muitíssimo esquisito. Dessa maneira, ela consegue estruturar a sua realidade conforme o referencial dado. Observemos esta passagem do relato: “Nisso, ela viu, debaixo da mesa, uma caixinha de vidro. Abriu-a e encontrou um bolinho com confeitos prateados formando a palavra COMA-ME. _ Bem, vou comê-lo _ disse Alice. _ Se eu crescer bastante, apanho a chave. Se, ao contrário, encolher mais, passo debaixo da porta. De todo jeito, entrarei naquele maravilhoso jardim. Nada mais importa!”. As colocações de Merleau-Ponty sinalizam para o fato de que a realidade “em si” é inapreensível como tão bem demonstrou Kant com o conceito de noumeno (do grego noûs, espírito), nós só podemos apreender o fenômeno tal como ele aparece para as nossas sensações, daí que o real seja sempre “para-si”, constituído juntamente com a corporeidade: “Todo vivido é vivido sobre o fundo do mundo”. Por isso, podemos perceber um sem número de realidades correspondentes a diversos modos de estruturação do espaço e de sua fixação ao mundo; esses espaços são antropológicos porque são abertos pelo homem: a realidade do adulto que se considera “civilizado”, a do primitivo, a infantil, a do doente mental, a da arte, a do matemático, a do místico, e por aí vai. Além do mais, cada um tem seu mundo privado, ao lado dos demais: “O mundo, diz Maria Seabra, “é o lugar do encontro, onde nós reencontramos os instrumentos que construíram nosso próprio mundo”. A única certeza infalível é a da própria vivência. Portanto, ela é sempre uma experiência emocional, vale dizer, na encruzilhada da intensidade e do embate das forças.

Pesquisa/texto- sueliaduan
Título no blog-sueliaduan
Corpo e Potência no Pensamento de Merleau Ponty
Maria Helena Lisboa da Cunha
                                                Visão e Corporeidade em Merleau Ponty
Bernadete Franco Grilo Machado


 

domingo, 21 de novembro de 2010

Fundamentos de uma práxis


Introduzir o leitor no ensino de Jacques Lacan não é uma tarefa fácil. Os conceitos, apesar de serem construídos de forma rigorosa, deslizam no paradoxo e se entrecruzam. A entrada no seu pensamento é um trabalho árduo que exige muitas horas dedicadas à leitura, colocando em cena uma partida em que as cartas são lançadas para dar início a um jogo que se chama DESEJO. Fora a dificuldade de encontrar alguns de seus seminários, já que estes permanecem inéditos e circulam em transcrições impedidas, ao nível jurídico, de serem distribuídas comercialmente. O direito de transcrição de todos os seminários de Jacques Lacan pertence a seu genro Jacques-Alain Miller. Se isto não impediu que fossem feitas outras transcrições, pelo menos retirou delas o direito de serem distribuídas comercialmente. Como exemplo, gostaria de citar as excelentes transcrições feitas na França pela Association Freudienne. Entretanto, esses textos, não só não apresentam o autor e/ou autores deste trabalho mas também vêm com a seguinte notação: “Publication hors commerce. Document interne à Association Freudienne et destiné à ses membres”. No Brasil, existem traduções de alguns seminários transcritos, que também são publicados sem indicação do tradutor e da instituição psicanalítica. Sem nomear, por motivos óbvios, uma instituição psicanalítica no Riode Janeiro tem uma excelente tradução do Seminário XXI, Les Non-Dupes Errent, que pode ser comprada por qualquer um que tenha interesse em adquiri-la, cuja única indicação na folha de rosto é a seguinte: “Exclusivamente para circulação interna às Instituições Psicanalíticas”. Ultrapassada essa barreira, iremos nos defrontar com outra: não vamos encontrar na psicanálise nenhuma Promessa de Felicidade. Freud, muito antes de Lacan, já trazia a questão de que não há nenhum objeto para satisfazer, plenamente, o desejo e o gozo do homem. Mesmo assim, os meios de comunicação e os apologistas do bem-estar social acenam com fórmulas pré-fabricadas de uma sexualidade sem traumas. Haveria mal-estar maior do que lidar com um saber que a todo instante nos lembra a nossa condição de um ser em falta? Aliás, Freud, quando afirma que o homem é o único animal destinado à neurose, à perversão, à psicose e à criação, não estaria indicando esse ser excêntrico que vem do real para habitar o universo da linguagem?

pesquisa/texto-sueliaduan
O Amor na Literatura e na Psicanálise.Ferreira,Nadiá Paulo.Rio de Janeiro:Dialogarts, 2008.
As palavras e as coisas. M. Foucault, São Paulo :Martins Fontes, 2007



terça-feira, 16 de novembro de 2010

"Desejo e Fantasia"

Freud foi o primeiro a reconhecer as estreitas afinidades entre a psicanálise e a literatura, num texto clássico, do início do século XX, intitulado:
" Escritores Criativos e Devaneios" 
(1908/1907)

Em "Escritores criativos e devaneios", Freud nos diz que o processo mental do escritor criativo é igual ao de uma criança quando brinca: cria um mundo de fantasia que leva muito a sério, investindo na criação/brincadeira uma grande quantidade de emoção. Este mundo recriado pelo escritor imaginativo, exatamente por ser ficção, por constituir-se num jogo de fantasia, proporciona uma grande satisfação. Muitos excitamentos que trariam em si uma boa carga de dor, se reais, passam, na relação leitor - leitura, a ser vividos como fonte de prazer. Ainda é Freud que nos diz que as forças motivadoras das fantasias são desejos insatisfeitos, e toda a fantasia é a realização de um desejo.
Para Lacan, o desejo é sempre sustentado pela fantasia. Se o desejo é em sua essência, da ordem da falta, a fantasia é a estrutura que o enquadra, emoldura essa falta com certo limite, numa janela para o real.
Há uma falta, diz o desejo. É isso que falta, diz a fantasia.

A ARTE E O IMAGINAR
Um dispositivo para a recriação da realidade
Ana Paula Pimentel/e outros
pesquisa e título no blog- sueliaduan


segunda-feira, 15 de novembro de 2010

"Ao ler um livro"

   
“Nunca lhe aconteceu, ao ler um livro,
interromper com frequência a leitura,
não por desinteresse, mas, ao contrário,
por afluxo de ideias, excitações, associações?
Numa palavra, nunca lhe aconteceu ler levantando a cabeça?”

Roland Barthes