terça-feira, 16 de agosto de 2011

..ALÉM DAS AFINIDADES


DE QUEM O PAI GOSTA MAIS?
Jorge Forbes agosto-2011

Pais ficam aflitíssimos ao afirmarem: -“Gosto dos meus filhos igualzinho”, por serem imediatamente contestados. – “É mentira!”, brada o primeiro, “É mentira!”, repete o segundo, o terceiro e quantos mais filhos houver.  “É mentira”, fala também a voz da consciência na cabeça dos pais: eles sabem que é mentira, mas como confessá-la sem imediatamente não se verem tachados pelos filhos, e por si próprios, de injustos, interesseiros, parciais, e mais e mais? Por suposto que é mentira e qual é o grande problema em afirmá-lo? A questão é que se condensa e se confunde, no termo "gostar", afinidade e amor. O impasse pode ser facilmente resolvido se os pais souberem que o amor pelos filhos é igual, mas as afinidades com um ou com outro, são obviamente diferentes, inclusive variando no tempo e na circunstância. O amor de um pai – genericamente falando, pai ou mãe – por um filho, é um amor que faz com que ele possa morrer por um filho. Esse é um tema destacado pelo filósofo francês, Luc Ferry, em seu último livro: A revolução do amor. Quando se morre por alguém, evidentemente não há graduação; não se pode morrer mais por um filho e menos por outro. Ninguém morre pela metade e `morrer´, aqui, não é utilizado metaforicamente. Hoje em dia não morremos mais pelos três grandes ícones do mundo moderno, anterior ao nosso, pós-moderno, a saber: a pátria, a revolução, a religião; quando se trata do mundo ocidental, é claro. Essas atitudes não fazem mais nenhum sentido, embora já tenha feito e muito. Mas, morrer por um filho, sim; nenhum outro sentido lhe é hoje superior.

Agora, já a afinidade é outra coisa. A afinidade é uma parte do amor, aquela que diz respeito ao compartir os mesmos fins. Exemplo: torcer por um time de futebol; gostar de um tipo de conversa e de leitura; preferir uma casa de praia, ou de montanha; escolher uma roupa, mais discreta ou mais espalhafatosa; compartilhar o gosto por cinema; adorar ficar em casa, ou sair muito; e por aí vai. A afinidade é múltipla, e como escrevi acima, varia com o tempo. Ninguém comparte todas as afinidades com a mesma pessoa, é quase impossível, até porque a própria pessoa muda seus gostos pelos mais variados motivos: pelo dia, humor, cansaço, enfim, pelo chamado “estado de espírito”. A consequência é que pode parecer que hoje o pai prefira o filho mais velho e que amanhã o caçula se veja o escolhido. Diz alguém que o sortudo é o pai, pois esse – pai ou mãe – só existindo um, ao filho não é dado preferir uma mãe a uma outra mãe. Por certo ele preferirá algumas vezes a mãe, noutras o pai. O mais interessante do amor de um pai por um filho é que ele não é explicável, logo, também por isso não cabe dizer que ele é maior por este ou aquele filho, uma vez que não sendo explicável não pode ser mensurável.  Este ponto de inexplicável, de não dito no amor de pais e filhos é uma âncora fundamental para a vida de um filho. Ele junta nessa âncora duas qualidades importantes: apoio e flexibilidade. Apoio, pois um filho conta com a certeza desse amor, ao enfrentar as incertezas da vida, e flexibilidade, pois exatamente por não ter explicação, esse amor permite muita variação de escolhas pelo filho: ele não será menos amado se fizer isto ou aquilo, exatamente porque o amor está sempre além das afinidades. Aqui vale lembrar que ele está mais além inclusive das afinidades biológicas. Temos um fato recente que ilustra isso, dado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Ocorre que FHC reconheceu um filho gerado fora de seu casamento, há um bom tempo. Razões que ultrapassam o nosso âmbito o levaram a fazer um teste de DNA, de prova de paternidade. Esse teste deu negativo, negando-lhe a paternidade biológica. Incontinenti, o ex-presidente disse que sua paternidade não dependia do componente de DNA e que em nada aquele teste mudaria sua relação com o seu filho.
As afinidades são muitas, diversas, móveis; o amor de um pai é um só.

sábado, 13 de agosto de 2011

"O instante de ver...



O psicanalista baiano Aurélio de Souza diz que pessoas que alegam não suportar o sofrimento muitas vezes se recusam a eliminá-lo, e que a busca pela cara metade é erro que pode levar a uma luta mortal ...



"QUEM ANALISA É O PRÓPRIO ANALISANDO, AQUELE QUE PROCURA A ANÁLISE. EU APENAS SIRVO COMO UM GUIA PARA AS DESCOBERTAS QUE O ANALISANDO FAZ"

Psique - E, no entanto, os calmantes são absolutamente populares em pacientes acometidos de depressão, por exemplo, que é um mal apontado como em franca expansão entre a sociedade moderna...

Souza - A depressão tem um componente somático. Quando trabalhamos com um paciente deprimido, temos que ir além de suas possibilidades orgânicas. Temos que desvendar seu comportamento à medida que ele vai tendo um problema no pensamento, e o medicamento diminui a mobilidade do pensamento. Isso interfere no que esse paciente poderia fazer e não faz.

Psique - E isso, para o senhor, é um prejuízo sério...

Souza - Veja: Lacan nos ensinou que há o instante de ver, o tempo de compreender e o momento de concluir. A Psicanálise, como eu a entendo, diz que você conclui no seu pensamento, você elabora, e, finalmente, você é capaz de perceber à sua volta. Freud nos relata o caso clínico de um paciente, obsessivo compulsivo, que ficou famoso como "O homem dos Ratos". Trata-se do episódio de um homem que encontra uma pedra na estrada. Ele imagina que a carroça que transporta sua amada vá colidir com a pedra, e que nesse acidente a mulher venha a morrer. Então retira a pedra do caminho. Depois ele caminha mais um pouco, e conclui que aquilo é um absurdo; volta, e recoloca a pedra no meio da estrada. Essa ideia da possibilidade da morte ilustra, tãosomente, um desejo inconsciente que ele tem, de que a amada morra.

Psique - E o senhor também gosta de dizer que, ao receber o paciente, não faz anotações, não abre uma ficha para ter o histórico dele, algo comum em qualquer atendimento da área da Saúde...

Souza - É verdade. Não faço ficha. Meu paciente se constrói diante de mim a cada visita que me faz. O passado dele não me importa tanto quanto aquilo em que ele se afigura para mim hoje, no momento em que vou analisá-lo. Aliás, posso dizer aqui o que sempre coloco para os meus analisandos: quem analisa é o próprio analisando, aquele que procura a análise. Eu apenas sirvo como um facilitador, ou, se o senhor preferir, como um guia para as descobertas que o analisando faz. É nesse momento em que aparecem os pensamentos dos quais ele não tem consciência. Vou lhe dar um exemplo do cotidiano: nada mais interessante do que o momento em que nos despedimos de uma pessoa querida.

 (texto - na íntegra)