Escrevo só porque
Há uma voz dentro de mim
Que não se cala nunca.
(Sylvia Plath)
Há uma voz dentro de mim
Que não se cala nunca.
(Sylvia Plath)
...Contudo existem situações, sobre as quais lhes falarei daqui a pouco, em que tudo parece caminhar numa outra direção, e é então que essas concepções que acabei de rever deixam de nos ajudar. Não só porque mantém inexplicado o fato de que o indivíduo criativo não está livre de desenvolver sintomas ou outros tipos de manifestação de sofrimento psíquico, como também, se nos ampararmos nelas pensando que a sublimação constitui uma saída menos sofrida, logo veremos que não adianta recomendar que alguém pinte um quadro ou escreva um poema, em vez de ficar confinado no sofrimento, mesmo se esse indivíduo possui talento. Além disso, embora essas formulações sobre a sublimação aludam à via de mão dupla que parece existir entre o sofrimento emocional e o processo criativo, elas apenas nos mostram o que, dentro e fora da psicanálise, todos pensam sobre a criatividade, que é o seu lado funcional. Para irmos um pouco além, é preciso destacar uma importante noção sobre a sublimação que Freud apresentou somente em 1923, em uma formulação mais tardia. Essa noção é geralmente pouco citada, eu diria mesmo que é recalcada, na medida em que contém algo inquietante para aqueles que se apegam à idéia de que a arte e a literatura constituem algo sagrado que deve ser mantido intacto protegido da profanação perpetrada pelo olhar da metapsicologia psicanalítica. Se de todo já não era fácil admitir a linha de continuidade que Freud estabeleceu entre a sublimação e a sexualidade infantil, mais difícil ainda será concordar em acompanhá-lo quando, em O Ego e o Id, ressaltar a característica desfusão pulsional envolvida na sublimação, aspecto que, em decorrência da dessexua-lização, “coloca o eu a serviço de objetivos opostos aos das pulsões de vida”. A partir do momento em que a pulsão de morte é introduzida na teoria psicanalítica, Freud pensará que da sublimação resulta uma liberação das pulsões agressivas no supereu, pulsões que lutam contra a libido, ficando o eu exposto “ao perigo de maus-tratos e morte”. Segundo esta formulação, que a meu ver é imprescindível para uma análise do processo criativo e seus destinos, a sublimação não apenas não pode deixar de se referir à angústia ou à dor psíquica (mesmo se pensarmos na criatividade como um destino “mais nobre”, mais feliz ou menos defensivo para o sofrimento) como também em seu interior a possibilidade – senão o necessário retorno – dos elementos sentidos como perigosos internamente implica um risco que a própria noção de “destino menos defensivo” ressalta ainda mais. Em outras palavras, na sublimação é preciso que o artista e o escritor mantenham algum grau de contato com a fonte desses perigos para poder criar. Se nada disso impede que, por meio da produção artística e literária, alguém canalize, ligue e transforme, em diferentes níveis, os derivados do campo pulsional – já que é por meio dessas ligações e dessas transformações que o psiquismo tenta dominar a intensidade de tais processos – não parece, porém, que o indivíduo esteja protegido dos perigos internos por meio da sublimação, já que, como nos adverte Freud, ela própria é potencialmente desorganizadora. Esses aspectos apontam para a existência de limites na economia da sublimação (limites não do conceito, que a meu ver permanece sendo um bom conceito, mas na função dos processos psíquicos descritos sob esse nome). Talvez fosse interessante considerarmos que é a maior ou menor proximidade dos arranjos sublimatórios em relação ao sofrimento que eles buscam dominar que dará conta dos vários destinos da criatividade, tenham eles êxito ou caminhem para o fracasso. Os destinos desses arranjos devem ser entendidos, descritivamente, como variações na distância da sublimação em relação às fontes pulsionais. Se considerarmos estes aspectos, estaremos mais preparados para abordar um fenômeno intrigante, que é a morte trágica daqueles escritores (sobretudo aqueles que, confessadamente, acreditavam na função organizadora, senão terapêutica de seu trabalho) que se suicidaram durante um período de intensa produtividade literária. Resguardada a diversidade dos contextos históricos, culturais e individuais em todos os casos que pudéssemos aqui evocar, talvez seja possível avaliar o tipo de envolvimento existente entre a sublimação e o sofrimento emocional, se examinarmos de perto a relação entre a escrita literária e o suicídio do escritor. Portanto, nós nos vemos aqui obrigados a pensar não só no caráter funcional e prazeroso do processo criativo, mas também nos elementos que circunscrevem os limites da sublimação e indicam a presença de aspectos disfuncionais no interior desse campo. É por esta razão que precisamos recorrer à formulação freudiana de 1923, que mencionei agora há pouco, porque, mais do que as outras concepções, ela nos ajuda a esclarecer a natureza desses limites, que dizem respeito à função da escrita como sublimação e à destrutividade potencial que existe entre a ordem pulsional e os recursos disponíveis para a sua contenção e eventual transformação.
Pesquisa/texto-sueliaduan
Título no blog -sueliaduan
Ana Cecília Carvalho
Psicanalista. Escritora e professora-adjunta no Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, onde leciona na Graduação em Psicologia e na Pós-Graduação (Mestrado e Especialização) em Psicanálise. É doutora em literatura comparada e autora dos livros A poética do suicídio em Sylvia Plath (BH: Editora da UFMG, 2003) e Uma mulher, outra mulher (BH: Lê, 1993), entre outros
Não sei Su posso estar falando uma grande bobagem mas se o estiver tem todo o direito de dize-lo. Penso que o sofrimento, assim como a alegria não me fazem mais criativa não, mas, mais o sofrimento que a alegria, pois esse a gente guarda mais, fica mais interiorizado, nos dá rico material para uma posterior criação.
ResponderExcluirSentimentos que depois de vividos temos condições de escaramunchar, e tirar deles uma possivel explicação para sentimentos de alguns personagens.
Não sei se consegui explicara meu ponto de vista...
Bjãoo gostei muito.
Ô Katia, Sem dúvida que tem e deve dizer:o)sempre, mesmo que não seja compreendida.
ResponderExcluirEu independentemente de gostar muito desse texto,(literariamente falando)penso como a autora,e, claro, com os escritores citados.
bjão