Emprestando Conseqüência-quando Freud não explica
Jorge Forbes
Há duas clínicas no ensino de Jacques Lacan:
I- Uma primeira, a do significante, a que se baseia na estrutura do inconsciente como uma linguagem, e uma segunda, a clínica do gozo, ou a da identificação ao sintoma, que trata dos fenômenos que ultrapassam a captura da singularidade do sujeito pela palavra. Este é o grande debate, no momento, na Associação Mundial de Psicanálise. É importante por duas razões:
Primeira, por colocar em relevo um Lacan do significante em contraste a um outro Lacan, mais além da palavra em associação livre e, segunda, é conveniente para nos apercebermos que a primeira clínica é coerente e adequada ao sujeito da era industrial, aquele marcado pelas identificações verticais (pai, pátria, moeda, fronteiras), enquanto a segunda clínica prepara o terreno para o tratamento dos novos sintomas do sujeito da era da globalização, que sofre um desvario do seu gozo, decorrente da quebra dos ideais.
É, portanto, um temo novo, atual e complexo, podendo ser abordado por diversos vieses.
Escolhi um, que propus em título deste artigo: "Emprestando conseqüência". Proponho pensar que se na primeira clínica o analista empresta sentido ao que diz o analisando, na segunda, o que ele faz é emprestar conseqüência. Ao emprestar sentido, cada fala do analisando remete a outra, e mais outra, e assim por diante. Se, por um lado, isto tem um efeito revelador bastante conhecido, por outro, pode dar impressão à pessoa, de que o que ela diz não tem muita importância ou conseqüência – como quero destacar – pois ela espera que o que importa é o que ainda não foi dito. Assim, podemos encontrar exemplos de falas bastante duras, de julgamentos pesados, que contam com esse efeito derrisório, como se o que valesse mesmo fosse o que ainda estivesse por vir, algo ainda não falado.
Para ilustrar, transcrevo algumas intervenções atribuídas a Lacan:
O paciente declara:
– Oh lá, como eu sou burro.
Lacan:
Não é porque o senhor o diz que não seja verdade. (1)
Ou ainda:
O senhor deve se dar conta que se o senhor pensa que os outros pensam que o senhor pensa mal, é talvez simplesmente porque o senhor pensa mal. (2)
Outro caso:
O senhor talvez imagine que não sou tão inteligente quanto o senhor (fala o paciente).
Quem lhe diz o contrário ? (3)
Sempre na mesma linha :
O paciente chega, deita e passados alguns instantes :
Não tenho nada a dizer...
Reposta :
Ok, isso acontece ! Até amanhã, caro. (4)
Em todas essas passagens da clínica destacamos o mesmo elemento: a conseqüência do que se diz.
II- O quadro da primeira e da segunda clínica ( próxima postagem)
Jorge Forbes é psicanalista e médico psiquiatra. É Analista Membro da Escola Brasileira de Psicanálise (A.M.E.), Preside o IPLA – Instituto da Psicanálise Lacaniana e dirige a Clínica de Psicanálise do Centro do Genoma Humano da USP.
Nenhum comentário:
Postar um comentário