O psicanalista baiano Aurélio de Souza diz que pessoas que alegam não suportar o sofrimento muitas vezes se recusam a eliminá-lo, e que a busca pela cara metade é erro que pode levar a uma luta mortal ...
"QUEM ANALISA É O PRÓPRIO ANALISANDO, AQUELE QUE PROCURA A ANÁLISE. EU APENAS SIRVO COMO UM GUIA PARA AS DESCOBERTAS QUE O ANALISANDO FAZ"
Psique - E, no entanto, os calmantes são absolutamente populares em pacientes acometidos de depressão, por exemplo, que é um mal apontado como em franca expansão entre a sociedade moderna...
Souza - A depressão tem um componente somático. Quando trabalhamos com um paciente deprimido, temos que ir além de suas possibilidades orgânicas. Temos que desvendar seu comportamento à medida que ele vai tendo um problema no pensamento, e o medicamento diminui a mobilidade do pensamento. Isso interfere no que esse paciente poderia fazer e não faz.
Psique - E isso, para o senhor, é um prejuízo sério...
Souza - Veja: Lacan nos ensinou que há o instante de ver, o tempo de compreender e o momento de concluir. A Psicanálise, como eu a entendo, diz que você conclui no seu pensamento, você elabora, e, finalmente, você é capaz de perceber à sua volta. Freud nos relata o caso clínico de um paciente, obsessivo compulsivo, que ficou famoso como "O homem dos Ratos". Trata-se do episódio de um homem que encontra uma pedra na estrada. Ele imagina que a carroça que transporta sua amada vá colidir com a pedra, e que nesse acidente a mulher venha a morrer. Então retira a pedra do caminho. Depois ele caminha mais um pouco, e conclui que aquilo é um absurdo; volta, e recoloca a pedra no meio da estrada. Essa ideia da possibilidade da morte ilustra, tãosomente, um desejo inconsciente que ele tem, de que a amada morra.
Psique - E o senhor também gosta de dizer que, ao receber o paciente, não faz anotações, não abre uma ficha para ter o histórico dele, algo comum em qualquer atendimento da área da Saúde...
Souza - É verdade. Não faço ficha. Meu paciente se constrói diante de mim a cada visita que me faz. O passado dele não me importa tanto quanto aquilo em que ele se afigura para mim hoje, no momento em que vou analisá-lo. Aliás, posso dizer aqui o que sempre coloco para os meus analisandos: quem analisa é o próprio analisando, aquele que procura a análise. Eu apenas sirvo como um facilitador, ou, se o senhor preferir, como um guia para as descobertas que o analisando faz. É nesse momento em que aparecem os pensamentos dos quais ele não tem consciência. Vou lhe dar um exemplo do cotidiano: nada mais interessante do que o momento em que nos despedimos de uma pessoa querida.
(texto - na íntegra)
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