Imitar ou criticar? Por
muito tempo a relação com um pai se restringia a essas duas possibilidades. O
pai, até bem recentemente, era tido como uma das principais referências em uma
sociedade vertical, marcada por padrões estáveis orientadores. Tínhamos o pai
na família, o chefe na empresa, o presidente no país. Essas figuras marcavam o
caminho que era seguido ou contestado. Se uma pessoa tinha um pai muito forte,
importante, conhecido, havia quem pensasse o quão duro seria para o filho que
podia se sentir pequeno demais, frente a uma barreira muito alta a ser
suplantada. Por outro lado, se ocorresse o contrário, se o pai fosse do tipo
anônimo e genérico, aí o filho poderia sofrer de culpa, uma vez que bastaria
dar um passo para ir além do pai. O primeiro caso era dado como explicação a
filhos inibidos, o segundo, a filhos exibidos, analisando superficialmente.
E hoje? A
pós-modernidade ao deslocar os padrões verticais da sociedade, ao
horizontalizar o laço social, criando a conhecida sociedade em rede, exige uma
nova figura de pai, distinta dessa que nos habituamos a conhecer, descrita
acima. O pai passa da posição de representar um ideal, um padrão, para a de
garantidor da flexibilidade da referência. Um filho tem que encontrar em um pai
alguém que lhe garanta a legitimidade da invenção de sua forma de viver. Se uma
mãe autoriza a invenção, o pai a legitima. São os dois movimentos necessários
para viver na época atual da globalização: invenção e responsabilidade.
Inventar uma forma singular de ocupar o seu lugar na vida, uma vez que nada
está dado a priori, e ter a coragem de expor essa singularidade, inscrevê-la no
mundo se responsabilizando por ela. É o movimento de qualquer artista: Chico
escuta uma banda que é só dele e consegue nos convencer da forma que ele a
escuta. Jorge Amado faz o mesmo com a Bahia. Impossível ver a Bahia sem os
óculos do escritor que transforma cada gingado de uma morena em Gabriela. Não
nos exijamos o talento dos artistas, mas sim a coragem desse duplo movimento:
inventar e responsabilizar.
Uma mãe autoriza a
invenção, desde nossos primeiros balbucios, um pai legitima a sua existência,
ou seja, o por fora de si. É o que está na raiz da palavra existir, composta de
“ex”, fora, com “sito”, local: ex-sistir quer dizer “colocar fora”. Um detalhe
para ser aprofundado em outro artigo: mãe e pai são funções por vezes
coincidentes com as pessoas biológicas, mas não necessariamente, para a sorte
de todos nós, se não os órfãos estariam fortemente prejudicados. A partir desse
admirável novo pai, admirável por sua novidade, mais que pela sua grandeza, é
pouco esclarecedor continuarmos a nos fiar nas análises maniqueístas de pai
forte, pai fraco; filho identificado, filho rebelde. Pai é quem tem um
sentimento sagrado por um filho. Sagrado vem de sacrifício. Pai é quem tem um
amor radical – sem explicação – e que pode morrer por um filho. É esse ponto de
amor radical que é detectado pelo filho e sobre o qual ele se apoia na invenção
singular de sua vida. Um filho sabe que ali ele conta, que dali ele pode contar
sua vida, dar-se à existência. Não nos surpreendamos que pais e filhos possam
trabalhar melhor juntos agora que no passado. Fora do eixo imaginário da
dominação, pais e filhos convivem bem como nunca nesse amor radical que
possibilita expressões distintas, diversas e divertidas, com a marca de uma
mesma família. Não faltam exemplos: Coppolas, Veríssimos, Holandas, Douglas,
Cravos e, seguramente, muitos mais. Jorge Forbes.
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