segunda-feira, 4 de novembro de 2013

'Machado de Assis encontra Nietzsche"

 
                                               
     Um belo encontro

Cada um a seu modo - um na Literatura, outro na Filosofia -, os autores da segunda metade do século XIX confrontaram valores sociais vigentes e propuseram a criação de um novo homem.
 O que há em comum entre Machado de Assis (1839-1908) e Friedrich Nietzsche (1844-1900), além de terem se destacado no âmbito filosófico-literário da segunda metade do século XIX? Machado foi escritor e nasceu no Brasil. Nietzsche, filósofo, era alemão. Apesar de viverem em continentes separados e em realidades muito distintas, há similaridades e até uma possível complementaridade entre o pensamento de ambos. As palavras de Nietzsche acerca da humanidade encontram eco no homem retratado na obra de Machado de Assis.
 
O desdobramento disso é a maneira como ambos se relacionaram com a construção do conhecimento ao longo dos tempos. Machado de Assis deixa transparecer no curso de sua obra semelhanças com as ideias de Nietzsche sobre o pensamento grego e mesmo sobre o pensamento filosófico e suas grandes estruturas. A grande cruzada de Nietzsche contra o cristianismo e contra as religiões, por exemplo, tem seu início creditado a uma enfermidade dos gregos, o que ganha ponto de contato com as obras de Machado de Assis.
 
Outra semelhança entre os autores é o fato de, em sua Filosofia, Nietzsche primeiro negar para poder afirmar depois. Nega os valores até então aceitos para oferecer novos olhares sobre velhas coisas, assim como faz Machado. Essa tática é aplicada quando pretende fazer surgir um novo homem, o Übermensch – “super-homem”. Ele seria liberto de todas as promessas celestiais e dos valores cristãos, o que teria transformado definitivamente o curso da humanidade...
 
 
 
Texto na íntegra na Revista Filosofia Ciência & Vida nº 84 -2013-
 
 

sexta-feira, 1 de março de 2013

É hoje, sempre


"A procrastinação não é apenas a ladra do tempo; é também o sepulcro da oportunidade"

Joseph Hall

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

UM ELOGIO À CLAREZA

                                                                        DO - Psicanálise Lacaniana IPLA


UM ELOGIO À CLAREZA
Jorge Forbes

Por obra e graça de Carla Almeida, membro do Corpo de Formação do ano de 2012, temos acesso a um fragmento do comentário que Jorge Forbes fez, em 23 de abril de 2012, no IPLA.•.
Eu acho engraçado quando acham uma coisa difícil nas ocasiões em que a seguinte conclusão deveria ser óbvia para qualquer pessoa: eu não entendi. Na psicanálise, nós perdemos essa tranquilidade para dizer “eu não entendi” ou “eu não estou entendendo”. Agimos como se a psicanálise fosse uma mística, como se nós tivéssemos que fazer com que as pessoas não entendessem de uma maneira mística ou, mesmo, que tivéssemos que falar para impressionar os burgueses.  Foi por isso que comecei este comentário mencionando Rilke e Diderot. O modo como eles escrevem ensina que, quando você está claro, não perde a poesia. Você não tira o equivoco e a surpresa. Neste caso, você coloca o equivoco e a surpresa no lugar deles: na impossibilidade do falar. Não é falando de amor que você fala de amor. É falando de várias outras coisas que as pessoas veem que você fala de amor.

Ser claro pede um passinho além da adjetivação. Lembremos que o real vem dentro da substantivação, não da adjetivação. Não é preciso tentar falar de uma coisa tornando-a complicada. Isso é a psicanálise do bobo! O que é complicado é a psicanálise do real. Quando existe uma cumplicidade do “estamos nos entendendo” nos momentos em que nós não estamos nos entendendo, a psicanálise está indo por água abaixo. Um dia destes, falando com uma jovem moça que se sentou ao meu lado em um voo, no trajeto Bahia - São Paulo, fui instigado por ela a narrar a respeito de meu percurso, como era a vida de Lacan etc. Comentando com ela a respeito de meu percurso de promovedor de instituições, de criador e de fomentador, me dei conta de que, em termos de Brasil, o principal elemento das cisões ocorridas sempre foi a CLAREZA. Nunca me furtei do imperativo de exigi-la, o que trouxe muita confusão. Nem poderia tê-lo feito, aprendi isso com Lacan.

É pena que, em nosso meio, pedir clareza virou uma agressão. Essa interpretação significa que o meio está doente. Não deveria ser assim: a agressão é a falta de clareza. Era isso o que eu queria dizer: a clareza é fundamental para que a gente não enlouqueça, ainda mais em um terreno tão propício a isso. A gente trabalha com uma matéria bastante difícil e bastante densa. Como é incompleta na sua significação, a clareza é um vetor importante. Não podemos abrir mão dela.

sábado, 5 de janeiro de 2013

Contra a discriminação, polis indiana vai às ruas.




"Contra a discriminação..."
Dorothee Rüdiger

Morte de universitária em estupro coletivo causa revolta e atiça o desejo de vingança. Herdeira do humanismo, a psicanálise volta-se contra políticas de “olho por olho, dente por dente”

Nessa passagem do ano, a morte de uma universitária indiana chocou o mundo. A jovem de 23 anos foi estuprada por seis homens em um ônibus e atirada para fora do veiculo, e não resistiu aos ferimentos.  Na Índia e em outros países, milhares foram às ruas para exigir justiça e respeito às mulheres. Nas manchetes dos jornais, a crise orçamentária dos Estados Unidos dividiu espaço com um tema que há pouco tempo pertenceria unicamente à “esfera íntima”. Os tempos mudaram.  As questões da vida privada politizaram-se. Hoje, um crime contra uma jovem em Nova Délhi nos diz respeito, não importa onde estejamos.  O ato cometido contra a jovem choca pela brutalidade, e demonstram o ódio que existe contra as mulheres, e não somente na Índia.  Segundo a ZONTA Foundation, organização internacional que atua junto à Organização das Nações Unidas, anualmente 60 milhões de mulheres “desaparecem” em crimes violentos. Bem sabemos que no Brasil, mesmo com a Lei Maria da Penha, agressões  contra a mulher também fazem parte do dia a dia. Diante disso, como não engrossar o coro dos que exigem a pena de morte contra os delinquentes indianos? Calma lá.  A psicanálise, desde sempre, volta-se contra as políticas reacionárias que procuram vingar as vítimas de acordo com a lógica do “olho por olho, dente por dente”. A psicanálise, herdeira do humanismo e da filosofia das luzes, exige, sim, uma nova ética. Mas que ética?

Convenhamos: muitas mulheres, desde os tempos bíblicos, inventam mil e umas maneiras para seduzir, atrair e ao menos fazer crer que são “aquela” que faltava para completar a felicidade do homem. Elas são, sim, objetos do desejo “dele”. As revistas femininas nas bancas de jornal não me deixam mentir. Mas a sedução tem seu preço amargo. Podemos atrair homens que não queremos, ou cair nas mãos de perversos que sentem prazer com a dor dos outros.  Ou, ainda, podemos ser objeto do desejo de quem nos trata como dejeto, tão logo o jogo de sedução chega a seu fim. Em casos extremos, podemos morrer, tornar-nos objeto na acepção mais brutal da palavra. É um risco, que de forma alguma justifica a violência.

O que fazer? Deixar de ser objeto e ser sujeito de sua própria estória (e, porque não, da história) é o que a psicanálise propõe a seus pacientes, sejam homens ou mulheres. Para a psicanálise, sou responsável tanto pelas minhas conquistas tanto quanto pelos acidentes no percurso da minha vida. É possível ser mulher, é possível seduzir. Saber lidar com essas possibilidades, sem se deixar ferir (literalmente) por elas, eis a questão! Isso soa difícil para quem foi vítima de atos violentos, como a jovem indiana que morreu. Mas essa tomada de atitude não é, de forma alguma, um ato individual, e diz respeito a cada um de nós. A polis indiana, nesta virada do ano, se revoltou contra a misoginia e fez o favor de ir às ruas para que todos nós, homens e mulheres, sejamos sujeitos de nossa história. “Homens de verdade não estupram”, diziam os cartazes empunhados pelos manifestantes. Atitudes como essa têm um poder muito maior que o da pena de morte. Que seja apenas o começo.