"Contra a discriminação..."
Dorothee Rüdiger
Morte de universitária
em estupro coletivo causa revolta e atiça o desejo de vingança. Herdeira do
humanismo, a psicanálise volta-se contra políticas de “olho por olho, dente por
dente”
Nessa passagem do ano,
a morte de uma universitária indiana chocou o mundo. A jovem de 23 anos foi
estuprada por seis homens em um ônibus e atirada para fora do veiculo, e não
resistiu aos ferimentos. Na Índia e em outros
países, milhares foram às ruas para exigir justiça e respeito às mulheres. Nas
manchetes dos jornais, a crise orçamentária dos Estados Unidos dividiu espaço
com um tema que há pouco tempo pertenceria unicamente à “esfera íntima”. Os tempos mudaram. As questões da vida privada politizaram-se.
Hoje, um crime contra uma jovem em Nova Délhi nos diz respeito, não importa
onde estejamos. O ato cometido contra a
jovem choca pela brutalidade, e demonstram o ódio que existe contra as
mulheres, e não somente na Índia.
Segundo a ZONTA Foundation, organização internacional que atua junto à
Organização das Nações Unidas, anualmente 60 milhões de mulheres “desaparecem”
em crimes violentos. Bem sabemos que no Brasil, mesmo com a Lei Maria da Penha,
agressões contra a mulher também fazem
parte do dia a dia. Diante disso, como não engrossar o coro dos que exigem a
pena de morte contra os delinquentes indianos? Calma lá. A psicanálise, desde sempre, volta-se contra
as políticas reacionárias que procuram vingar as vítimas de acordo com a lógica
do “olho por olho, dente por dente”. A psicanálise, herdeira do humanismo e da
filosofia das luzes, exige, sim, uma nova ética. Mas que ética?
Convenhamos: muitas
mulheres, desde os tempos bíblicos, inventam mil e umas maneiras para seduzir,
atrair e ao menos fazer crer que são “aquela” que faltava para completar a
felicidade do homem. Elas são, sim, objetos do desejo “dele”. As revistas
femininas nas bancas de jornal não me deixam mentir. Mas a sedução tem seu
preço amargo. Podemos atrair homens que não queremos, ou cair nas mãos de
perversos que sentem prazer com a dor dos outros. Ou, ainda, podemos ser objeto do desejo de
quem nos trata como dejeto, tão logo o jogo de sedução chega a seu fim. Em
casos extremos, podemos morrer, tornar-nos objeto na acepção mais brutal da
palavra. É um risco, que de forma alguma justifica a violência.
O que fazer? Deixar de
ser objeto e ser sujeito de sua própria estória (e, porque não, da história) é
o que a psicanálise propõe a seus pacientes, sejam homens ou mulheres. Para a psicanálise,
sou responsável tanto pelas minhas conquistas tanto quanto pelos acidentes no
percurso da minha vida. É possível ser mulher, é possível seduzir. Saber lidar
com essas possibilidades, sem se deixar ferir (literalmente) por elas, eis a
questão! Isso soa difícil para
quem foi vítima de atos violentos, como a jovem indiana que morreu. Mas essa
tomada de atitude não é, de forma alguma, um ato individual, e diz respeito a
cada um de nós. A polis indiana, nesta virada do ano, se revoltou contra a misoginia
e fez o favor de ir às ruas para que todos nós, homens e mulheres, sejamos
sujeitos de nossa história. “Homens de verdade não estupram”, diziam os
cartazes empunhados pelos manifestantes. Atitudes como essa têm um poder muito
maior que o da pena de morte. Que seja apenas o começo.
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