sábado, 5 de janeiro de 2013

Contra a discriminação, polis indiana vai às ruas.




"Contra a discriminação..."
Dorothee Rüdiger

Morte de universitária em estupro coletivo causa revolta e atiça o desejo de vingança. Herdeira do humanismo, a psicanálise volta-se contra políticas de “olho por olho, dente por dente”

Nessa passagem do ano, a morte de uma universitária indiana chocou o mundo. A jovem de 23 anos foi estuprada por seis homens em um ônibus e atirada para fora do veiculo, e não resistiu aos ferimentos.  Na Índia e em outros países, milhares foram às ruas para exigir justiça e respeito às mulheres. Nas manchetes dos jornais, a crise orçamentária dos Estados Unidos dividiu espaço com um tema que há pouco tempo pertenceria unicamente à “esfera íntima”. Os tempos mudaram.  As questões da vida privada politizaram-se. Hoje, um crime contra uma jovem em Nova Délhi nos diz respeito, não importa onde estejamos.  O ato cometido contra a jovem choca pela brutalidade, e demonstram o ódio que existe contra as mulheres, e não somente na Índia.  Segundo a ZONTA Foundation, organização internacional que atua junto à Organização das Nações Unidas, anualmente 60 milhões de mulheres “desaparecem” em crimes violentos. Bem sabemos que no Brasil, mesmo com a Lei Maria da Penha, agressões  contra a mulher também fazem parte do dia a dia. Diante disso, como não engrossar o coro dos que exigem a pena de morte contra os delinquentes indianos? Calma lá.  A psicanálise, desde sempre, volta-se contra as políticas reacionárias que procuram vingar as vítimas de acordo com a lógica do “olho por olho, dente por dente”. A psicanálise, herdeira do humanismo e da filosofia das luzes, exige, sim, uma nova ética. Mas que ética?

Convenhamos: muitas mulheres, desde os tempos bíblicos, inventam mil e umas maneiras para seduzir, atrair e ao menos fazer crer que são “aquela” que faltava para completar a felicidade do homem. Elas são, sim, objetos do desejo “dele”. As revistas femininas nas bancas de jornal não me deixam mentir. Mas a sedução tem seu preço amargo. Podemos atrair homens que não queremos, ou cair nas mãos de perversos que sentem prazer com a dor dos outros.  Ou, ainda, podemos ser objeto do desejo de quem nos trata como dejeto, tão logo o jogo de sedução chega a seu fim. Em casos extremos, podemos morrer, tornar-nos objeto na acepção mais brutal da palavra. É um risco, que de forma alguma justifica a violência.

O que fazer? Deixar de ser objeto e ser sujeito de sua própria estória (e, porque não, da história) é o que a psicanálise propõe a seus pacientes, sejam homens ou mulheres. Para a psicanálise, sou responsável tanto pelas minhas conquistas tanto quanto pelos acidentes no percurso da minha vida. É possível ser mulher, é possível seduzir. Saber lidar com essas possibilidades, sem se deixar ferir (literalmente) por elas, eis a questão! Isso soa difícil para quem foi vítima de atos violentos, como a jovem indiana que morreu. Mas essa tomada de atitude não é, de forma alguma, um ato individual, e diz respeito a cada um de nós. A polis indiana, nesta virada do ano, se revoltou contra a misoginia e fez o favor de ir às ruas para que todos nós, homens e mulheres, sejamos sujeitos de nossa história. “Homens de verdade não estupram”, diziam os cartazes empunhados pelos manifestantes. Atitudes como essa têm um poder muito maior que o da pena de morte. Que seja apenas o começo.

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